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Entrevista com Arthur Ituassu e Renato Cordeiro Gomes



A Editora PUC-Rio, em parceria com a Editora Apicuri, acaba de publicar uma obra inédita no Brasil de Stuart Hall. Sociólogo jamaicano que se radicou no Reino Unido, Hall foi um dos principais teóricos de estudos culturais, responsável por ter ampliado o entendimento no século XX sobre questões de raça e gênero.

Cultura e Representação traz em português três textos fundamentais de Stuart Hall, nos quais o autor desenvolve sua análise política, a partir de uma noção específica do conceito de “representação”. Para discutir a importância do pensamento de Hall, entrevistamos Arthur Ituassu, organizador da obra, e Renato Cordeiro Gomes, que assina o texto de orelhas da edição brasileira, ambos professores do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio.

Durante a conversa, Renato Cordeiro Gomes destaca a contribuição de Hall à descontrução da ideia de que a representação seria uma cópia da realidade, que Gomes chama de “ficções do espelho”. Arthur Ituassu lembra que Hall promove uma discussão sobre o papel do intelectual na sociedade, que, para o teórico, seria o de emancipar o homem do processo de dominação.

» Sobre o que se trata o conceito de representação e qual é a relevância do papel do Stuart Hall nesta área?

Arthur: A representação é um processo inacabado. Para mim, a noção de conceito restringe o sentido. A importância da noção de representação é que ela é constitutiva da realidade social. Antes tínhamos o que chamamos de pré-virada epistemológica, a ideia da verdade por representação e da representação como espelho - muito influenciada pela própria metafísica platônica. Antigamente, a concepção era de que existia um mundo material e uma representação que espelhava este mundo tal como ele é. A produção do conhecimento científico – o positivismo – se baseou nesta teoria. Esta concepção veio por terra, mais ou menos a partir de Kant, quando se questionou a existência deste mundo material autônomo da linguagem, da cultura. Se é que ele existe, não conseguiríamos alcançá-lo, pois tudo o que nele é feito é através da linguagem.

Renato: Por isso eu acho interessante o título original do capítulo um, The work of representation. É o trabalho da representação, não é um conceito fixo. Quando se começa a falar muito sobre um fenômeno é porque existe algum problema nele. Isto ocorre também quando se passa de um saber de base religiosa, um mundo explicado, para o mundo da linguagem, do humanismo, da representação não apenas como uma cópia.

Arthur: Outro ponto importante discutido por Hall é a responsabilidade das representações que nós produzimos como produtores de mídia. Que realidade social estamos construindo? Há uma discussão ética no campo da comunicação, fundamental para o jornalista, publicitário, cineasta, que deve haver esta consciência da responsabilidade das representações midiatizadas. Entram também os aspectos constitucionais da própria comunicação que englobam uma discussão sobre a economia política da área. Um agente produtor de sentidos muito centralizado resulta na alimentação de uma opressão existencial. Há uma construção de um mundo onde a gente não se sente representado.

Renato: Dá ideia de que não participamos desta construção, como se o sentido viesse pronto. É certo que toda língua tem convenções, mas por isso há a diferença entre língua e discurso. Nós fazemos o discurso, existe a liberdade de escolha. Os sentidos também se dão nesta circulação. Se o sentido é só meu, não existe comunicação.

Arthur: Não é à toa que, no caso brasileiro, surgiu uma grande esperança com relação a Internet. Dentro de um contexto centralizado de produção de sentido no ambiente midiático, a Internet surge com o potencial de permitir que outras representações surjam no ambiente social.

» O que podemos concluir a respeito da representação do negro na cultura brasileira, como nas novelas, por exemplo?

Renato: Com relação à questão do negro no Brasil, não podemos esquecer o nosso contexto histórico. Fomos o último país a abolir a escravidão e este aspecto sempre será um forte componente da cultura brasileira, querendo ou não. A partir daí criam-se determinados mitos sobre uma suposta democracia racial que não existe. Os preconceitos, estereótipos, a própria televisão até bem pouco tempo reforçava isto. O negro só fazia papel de escravo, empregada ou bandido. Hoje este cenário está diferente, muito por haver um espaço de contestação. Os próprios atores negros não aceitam mais fazer determinados papéis e lutam contra os estereótipos.

Arthur: Esta questão ainda é muito nova, mas há um elemento progressista de contestação de uma realidade que apresentava o negro em funções subalternas o tempo todo. Stuart Hall cita o Spike Lee, por exemplo, porque ele realizou este trabalho no cinema americano. Através de Lee, o negro começou a aparecer em papéis bem posicionado, ganhando dinheiro, participando da sociedade, casando com mulheres brancas. É importante também não criar um estereótipo do outro lado. Estudos mostram que algumas novelas da Globo foram muito progressistas com relação às mulheres no nordeste. Em geral, são mulheres que trabalham, com poucos filhos, mais emancipadas do que eram antes em relação aos homens naquela cultura. Houve um movimento progressista em que a mulher começou a querer não ser mais tão subalterna, em função das referências que elas tinham das mulheres na novela.

Renato: Num mundo onde se fala mais sobre tolerância, a própria sociedade demanda este tipo de questionamento. A televisão, então, se aproveita dos eventuais debates e os cristaliza no sentido da representação, através de novelas, filmes.

Arthur: Nunca podemos imaginar a sociedade como uma tábula rasa. Há sempre uma complexidade neste processo de representação.

» Stuart Hall confere ao livro um caráter didático na forma de construir o pensamento. Como se dá este aspecto ao longo da obra?

Renato: Nós tentamos jogar um pouco com o próprio papel do Stuart Hall. Ele faz uma revisão do conceito partindo da cultura (por isso o título em português é perfeito), da representação e da significação. O que Stuart Hall mostra, com o auxílio de exercícios e citações, é uma revisão sobre signos, língua e discurso, de Saussure. A linguagem é muito clara, mesmo no original em inglês. Hall desconstrói a ideia de que a representação seria uma cópia da realidade. Chamo de ficções do espelho. O espelho nunca vai apresentar uma cópia. O signo remete a um referente. Quando se tem uma crise neste quesito, não é o sentido realista que se discute, mas sim o nominalista. O que chamamos de arte, por exemplo, não tem uma representatividade mimética, porque não tem o intuito de ser uma cópia da realidade.

Arthur: Trata-se de uma postura epistemológica via teoria crítica do papel do intelectual na sociedade. Cabe a ele a função de transformar a sociedade a fim de tentar construir um mundo melhor. Stuart Hall em outros textos fala sobre a importância do papel do intelectual na sociedade, de modo a emancipar o homem dos processos de construção de assimetria e dominação vigentes. Há uma posição kantiana de que o saber liberta. O fato de o texto ter este caráter didático também é com o propósito de disseminar o saber para promover a emancipação. Hall trabalha também com a questão da abundância imagética no mundo atual. Ele faz uso de uma frase do McLuhan se relacionando ao ambiente midiático imagético: “somos como peixes dentro d’água”. Dentro deste contexto, a produção intelectual pode trazer esclarecimentos às pessoas sobre em qual mundo elas estão inseridas.

» A Internet colaborou para restringir o sentido das imagens ou para ampliar o sentido delas?

Arthur: A Internet é um meio em potencial. Podemos encontrar de tudo lá. Desde coisas mais progressistas na construção do sentido, a coisas absolutamente retrógradas, conservadoras. A lógica de funcionamento dos algoritimos, os avanços comerciais sobre a web, o aumento de uma direita conservadora, não só no Brasil, no mundo inteiro. Se observarmos, por exemplo, a eficiência do Bolsonaro no Facebook em relação aos outros políticos no Rio de Janeiro, é inacreditavelmente maior.

Renato: A percepção do mundo se transforma de acordo com a tecnologia. Marx já dizia que os nossos sentidos também tiveram que ser modernizados. A nossa percepção muda e quando isso acontece, o sentido muda também, a representação muda. A Internet caminha por aí. O resultado vai depender de como esta tecnologia será utilizada.

Arthur: No Brasil, a Internet tem sido usada, realmente, como um espaço de contestação à mídia de mainstream. Propostas como a Mídia Ninja, por mais questionáveis que sejam, são uma voz de contestação. Hoje há uma pluralidade muito maior de mecanismos de informação política. É certo que nem todos têm acesso a Internet ainda, mas só o fato de ela existir e possibilitar este ambiente de contestação, já é um grande avanço.

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Renato Gomes tem mestrado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1985) e doutorado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1993). Atualmente é professor associado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, consultor ad hoc do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, da FAPERJ e da CAPES

Arthur Ituassu é professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, coordenador do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política (COMP) e do Laboratório de Opinião Pública e Mídias Sociais (ePOCS).


Publicado em: 09/01/2017





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