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A conversa sem roteiro possibilita que não apenas aquele que conta a história esteja mais à vontade, mas que o escutador também fique mais tranquilo, sem a exigência de percorrer uma sequência de perguntas e direcionar a conversa, ainda que deva estar atento ao diálogo. Desse modo, sobra mais tempo para o escutador ficar olho-no-olho com quem conta sua história, prestar atenção na conversa, se envolver com aquilo que ouve, criando uma relação de proximidade e confiança.

É neste sentido que consideramos que, mais do que uma lista de perguntas, o importante num bate-papo é a empatia, ou seja, a capacidade de uma escuta sensível, na qual a narrativa pulsa e faz eco no interior daquele que ouve. Durante o bate-papo, o escutador pode se envolver, se identificar, se permitir emocionar ou mesmo estranhar a história do outro. Assim, quem narra percebe o efeito de sua fala naquele que a escuta e isso constitui um estímulo para a narrativa.32

32 Como encontrar o outro, como fazê-lo falar, como se fazer ouvir... Na maior parte dos casos, a resposta a essas perguntas aparece lá onde não se espera, lá onde não há nenhum método. Como se a dessemelhança devesse sempre se confirmar, como se o equívoco fosse a regra e o diálogo um puro acaso. Do caráter imprevisível não se deduz que os métodos e os projetos sejam totalmente inúteis. Eles servem como lugar em que se explicita o modo como o outro é representado.
(Marília Amorim)

Se, de todo modo, o escutador estiver um pouco inseguro com a ausência de um roteiro, poderá anotar algumas perguntas abertas e levar consigo para o bate-papo. Isso não é necessariamente um problema. Contudo, essas perguntas não podem ser uma camisa de força. O escutador deve estar disponível para abandonar seu roteiro, sempre que novas questões aparecerem, sempre que aquele que narra decidir adentrar em novos caminhos na sua história. Sobre esse assunto, Rita, diretora e curadora de memórias do MUF, relata:

Rita (MUF): Uma coisa que é bom que vocês saibam é que mesmo quando você sai... Eu tô falando por experiência própria. Eu já saí com um roteiro na mão, nunca mais eu fiz isso. Nunca mais. Eles já me acompanharam e eles veem que eu não levo papel nenhum. Porque eu já fiz isso, de sair com um roteiro na mão, e, na hora, a pessoa ir por um caminho tão diferente que nenhuma daquelas perguntas que eu tinha formulado antes caberia. Perderia o nexo, perderia o sentido do que ela tava me dizendo. A pessoa... o barato da entrevista é justamente isso, é o inusitado, é o que você não prevê. E a pessoa me fez, diante do que ela me falava, ela que me fazia... na verdade, não era eu que conduzia, ela é que me conduzia. De acordo com o que ela falava é que eu via por onde eu tinha que ir. Porque não adianta, você pode levar o roteiro, se o entrevistador não quiser falar sobre aquilo, ele não vai falar. Entendeu? Ele só vai falar o que ele se sentir à vontade de falar. E dali você vai desencadear uma série de outras questões que você não tinha pensado. Então, por isso que eu nunca mais levei roteiro. Mas é claro que têm perguntas básicas: o nome, a idade da pessoa, isso é de praxe. Mas, se tratando das pessoas, do momento da entrevista, às vezes você vai deixando ele falar. Tem pessoas às vezes que me emocionam tanto que eu não tenho o que falar. Ela já disse tudo, entendeu?

Daniel (NIMESC): Rita, interessante isso que você tá falando, porque você ressalta a importância da escuta, né?

Rita (MUF): Exatamente, por isso o nome das escutadoras.

Contando histórias

Dar a possibilidade para o interlocutor narrar as histórias que desejar pode ser uma experiência interessante. Veja que, no diálogo abaixo, a escutadora estimulou dona Natalina a contar uma história de sua vida, deixando-a escolher livremente. Ela, então, nos presenteou com uma irreverente história de Carnaval que fez parte de sua vida:

Ana (escutadora): A senhora gostaria de contar uma história? Tem algumas que a senhora queira contar?

Natalina: Ah, tem muitas, tem muitas, tem da época de criança até agora. Tem muitas, tem muitas histórias, no Cantagalo tem muitas histórias.

Ana (escutadora): Então conta uma delas...

Natalina: Deixa eu ver se eu me lembro, se tem algumas engraçadas. Pode ser aquelas de quando tinha desfiles, do bloco?

Ana (escutadora): Pode ser o que a senhora quiser.

Natalina: Eu me lembro que, uma vez, nos estávamos no desfile, ali no Catete. Foi no Catete. O desfile tava muito bom. Foi todo mundo na maior alegria, que era o Unidos do Cantagalo, era muito famoso por aqui por causa da bateria, que a bateria era muito boa. Então, tinha um baliza chamado, o apelido dele era Dureza. Então, ele bebeu, esse dia ele bebeu e aí tava todo mundo e ele fazendo evolução, aquela coisa. Aí, ele pegou o estandarte dele, né? Que a menina que carrega a bandeira, né? Começou a fazer evolução... Nisso, que ele deitou no chão, para ela poder passar, ele ficou. Ele ficou ali, caiu deitado, todo mundo passou, as alas todinhas passaram. Já claro, com aquele sol quente, aí ele acordou. De repente, de repente que ele acordou, ele levou uma surra da porta bandeira, pegou uma bandeira e deu-lhe uma surra nele. Então, isso foi uma coisa muito interessante, foi engraçado que aconteceu.

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