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Se desejar, o escutador poderá dar um conselho, desde que a história ouvida tenha a ver com alguma situação que ele já tenha vivido e que, a partir dessa experiência, se sinta autorizado a dizer alguma coisa. Mas, aconselhar não é buscar uma resposta para a vida da outra pessoa, dizer o que deve ou não fazer. Na verdade, o conselho é um ensinamento que é compartilhado a partir de uma experiência vivida por alguém. Contudo, as conclusões serão sempre tiradas por quem está recebendo o conselho e vivendo a experiência. É esta pessoa que, a partir do que ouviu e diante do que viveu, avaliará a situação e, inclusive, poderá tomar decisões. Dar conselho é oferecer, de forma generosa, um elemento a mais que possa ajudar alguém a ampliar seu horizonte de reflexão e, assim, pensar numa determinada situação.43

43 Quem dá conselhos faz bem em averiguar primeiramente a própria opinião do consulente para, em seguida, confirmá-la para ele. Ninguém se convence tão facilmente da inteligência superior de outra pessoa e, portanto, poucos pediriam conselho se fosse com o propósito de seguir um estranho. Ao contrário, é a própria decisão já tomada em surdina que querem mais uma vez conhecer, por assim dizer, pelo lado avesso, como “opinião” do outro. Esta visualização solicitam dele e têm razão em fazê-lo. Pois é perigosíssimo realizar aquilo que se decidiu “por si próprio” sem deixar passar discurso e réplica como por um filtro. Portanto, já está ajudado pela metade quem busca conselho, e quando ele pretende fazer o oposto, é melhor encorajá-lo ceticamente a contradizê-lo convictamente.
(Walter Benjamin)

Avaliar com cuidado quando se deve falar e quando se deve calar é um dos principais desafios do escutador. Como já foi dito, o escutador não é uma máquina, ele reage àquilo que ouve. Assim, caso sinta um desejo sincero de falar e sentir que seu relato pode ser pertinente para a história, pode fazê-lo, mas sem invadir o espaço de seu interlocutor.

Vimos, até aqui, situações nas quais o escutador pode se colocar ativamente no diálogo, oferecendo também, além de uma escuta atenta, histórias ou conselhos. Todavia, é necessário avaliarmos os limites impostos ao trabalho de escuta de memórias.

Um escutador é alguém disponível para colher as narrativas de memória com zelo e fazer com que essas histórias caminhem por outros espaços sociais. Entretanto, o que fazer com um interlocutor que pede ajuda para um problema que vivencia durante a conversa? Neste caso, apesar de ser legítima a demanda que surge, o escutador, na posição em que ocupa, pouco pode fazer com pedidos que excedem o desejo de narrar e escutar memórias. Porém, se o escutador sentir desejo de ajudar efetivamente, após a conversa poderá encaminhar algum tipo de ajuda, pois aí já ocupa outro lugar, não de escutador, mas de cidadão que se sentiu responsável e compromissado pela demanda que ouviu. Mas é sempre bom lembrar que o próprio trabalho com as histórias de vida é, também, uma forma de denunciar a desigualdade social, quando apresenta a batalha de vida de pessoas comuns.44

Outra situação que pode ainda ocorrer é o caso de pessoas que, durante o bate-papo, passam a relatar problemas ou situações de sofrimento que estejam vivenciando, com a expectativa de conseguir respostas que as ajudem a enfrentar suas dificuldades. Assim, surge, em meio às cenas do passado, um pedido de ajuda. O que fazer? É muito importante o escutador compreender que o espaço de escuta de memórias é diferente de um espaço clínico. Todas as narrativas podem ser acolhidas pelo escutador. Entretanto, a relação estabelecida entre escutador e narrador não deverá ser de caráter terapêutico, ou seja, o escutador não deverá tentar ocupar esse lugar, pois não é um psicólogo ou médico. O escutador é alguém que busca colher e semear as histórias de vida, deve se envolver sem julgar, acolhendo as memórias de pessoas comuns. Mas, caso o escutador sinta que a pessoa escutada apresenta disponibilidade e demonstra realmente precisar de ajuda para lidar com algumas questões, poderá sugerir que busque um acompanhamento profissional.

A narrativa de problemas e dificuldades pode fazer parte do trabalho de escuta de memórias. O que diferencia o relato que sinaliza a necessidade de um acompanhamento profissional de um relato de memória é o que a pessoa fez com a dificuldade vivida ou como a superou. Algumas pessoas narram problemas que estão vivendo naquele exato momento, mas são relatos de muito sofrimento, pois ainda não conseguiram ultrapassá-los. Outras pessoas nos relatam momentos difíceis de suas vidas ou grandes problemas vivenciados, mas que conseguiram, de algum modo, superar e que, por isso, sentem orgulho de contar. São essas as histórias que mais nos interessam, pois elas carregam um ensinamento de vida, uma sabedoria vinda do passado e que pode servir para outros no presente.

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