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Podemos observar o quanto a questão do contexto é importante a partir da fala da escutadora Vânia, que observou uma diferença entre o primeiro e o segundo bate-papos realizados com a mesma pessoa. No primeiro encontro, ocorrido num espaço público, ela percebeu que sua interlocutora estava mais disponível, contando sobre seus filhos e sobre seu primeiro casamento. Já o segundo encontro ocorreu na casa de seu atual marido, com ele presente. Vânia notou que tal fato interferiu fortemente na fala da mulher, que estava inibida, pouco à vontade. Por isso, a conversa não fluiu como antes.
49 Fotografia é memória e com ela se confunde. Fonte inesgotável de informação e emoção. Memória visual do mundo físico e natural, da vida individual e social. Registro que cristaliza, enquanto dura, a imagem – escolhida e refletida – de uma ínfima porção de espaço do mundo exterior. É também a paralisação súbita do incontestável avanço dos ponteiros do relógio: é, pois, o documento que retém a imagem fugidia de um instante de vida que flui ininterruptamente.
(Boris Kossoy)
O escutador poderá, ainda, pensar em formas de ajudar seu interlocutor a acessar suas memórias. Os objetos são carregados de histórias e afetos. Eles transportam em silêncio as emoções de determinados momentos importantes de nossa história. Por isso, o escutador poderá sugerir que a pessoa escolha alguns objetos que sejam mais relevantes e que representem sua história para o momento do bate-papo.
A fotografia pode ser uma grande aliada deste trabalho. A imagem deflagra uma presença ausente, de um passado que não existe mais, mas que existe na imagem.49
A fotografia é testemunha de um tempo vivido, ela autentica o passado. Ela própria só pode existir porque a cena já não existe mais. Por isso, convida o pensamento a revisitar momentos e histórias que podem estar adormecidos na memória. A materialidade da fotografia convida ao discurso, pois há histórias que vivem ali à espera do momento em que serão apresentadas ao mundo.50 51
51 A fotografia é uma aliada da memória e como disparadora de lembranças possibilita a mediação entre diferentes pessoas, tempos e grupos. As imagens fotográficas se tornam ponte, janela para histórias, lugares e personagens que engrandecem nossa experiência sensível, nossa humanidade. Mas isso só é possível quando nos abrimos à escuta do outro, nos interessamos, nos importamos, nos emocionamos, nos afetamos...
(Denise Sampaio Gusmão)
Outra questão que merece destaque diz respeito ao modo como o escutador irá registrar o bate-papo. Se não é possível reter tudo o que ouvimos em nossa memória, é importante pensar sobre de que forma a história de vida escutada será guardada, para depois ser divulgada e conhecida por muitos outros!
Existem alguns recursos mais tradicionais e de fácil manipulação, como o gravador de voz, por exemplo. O aparelho de gravação é ligado antes do início da conversa e, posteriormente, o escutador irá ouvir a gravação e fazer uma transcrição literal da história, ou então, escrever as partes mais importantes ao seu modo. A gravação permite que alguns detalhes sejam relembrados e que palavras e expressões, tais como foram ditas, possam ser recuperadas.
Mas pode acontecer de nosso interlocutor não se mostrar à vontade com o gravador e pedir que não o usemos ou o desliguemos em algum momento. Aceitar tal pedido faz parte de uma reciprocidade que nos aproxima de nosso interlocutor. Assim, se o gravador não for utilizado e o escutador preferir, poderá anotar as partes mais significativas da história durante a conversa, para serem retomadas posteriormente.
Mas, nem só de palavras vive a escuta de memórias. Quem conta dá forma ao que está sendo dito com seu próprio corpo: sua expressão e entonação trazem um pulsar diferente para as palavras. Risos e lágrimas fazem os discursos serem carregados de novos sentidos. Por isso, além das palavras, é possível registrar as memórias também pelo que chamamos de escrita de imagens, utilizando os recursos da fotografia e da videogravação.52
52 As imagens revelam seu significado quando ultrapassamos sua barreira iconográfica; quando recuperamos as histórias que, em sua forma fragmentária, trazem implícitas. (...) Através da fotografia aprendemos, recordamos e sempre criamos novas realidades. Através da fotografia dialogamos com o passado, somos os interlocutores das memórias silenciosas que elas mantêm em suspensão.
(Boris Kossoy)
Hoje em dia, a fotografia é um meio de registro acessível e de fácil manipulação. Portanto, pode ser uma ferramenta importante para o trabalho. Isso porque, além das histórias, interessa divulgar quem as viveu, pois não são histórias genéricas, que qualquer um poderia ter vivido tal e qual. São memórias de uma pessoa específica, que viveu sua vida de um modo muito particular e a apresenta de forma bastante singular. A fotografia revela o personagem principal das histórias contadas, dá identidade visual ao discurso, oferece corpo a um passado sempre fugidio.
Tal como no uso do gravador, é importante que o escutador peça permissão para fotografar seu interlocutor. Inclusive, é interessante que aquele que narra sugira onde e como deseja ser fotografado (se foto espontânea ou posada), negociando esse enquadre com quem for tirar as fotos. Após o registro fotográfico, aquele que narra sua história deve ter acesso às imagens, indicando aquelas que mais lhe agradou e aquelas das quais não gostou. Essa escolha é significativa, especialmente para o momento posterior à conversa, quando o escutador for pensar de que modo irá expor aquela história de vida. Quem narra deve aprovar a imagem de si que será apresentada ao mundo, sendo respeitado em seu posicionamento.
Além da fotografia, o escutador pode, ainda, usar o recurso da videogravação. Para esse tipo de registro, é preciso antes organizar alguns detalhes.
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