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Ana Cristina: Bom, ela é uma mulher batalhadora, só por ela criar os filhos, ensinando a eles serem honestos e a não se envolverem com coisas ruins e respeitando as pessoas. Isso é muito bom. E tem outra coisa, ela pegava os oitenta reais de cada um, mas não para seu gasto, mas sim para eles mesmos, para quando eles pedissem alguma coisa, ela teria da onde tirar. Porque ela não queria pedir nada a ninguém da sua casa e nem para o pai de seus filhos. Apesar de toda sua luta, é vitoriosa e guerreira.

Eunice: Eu vi Ana garotinha, com a mãe, que era minha amiga.

Ana sempre teve personalidade forte, passou por muitas coisas com o pai dos filhos e, com a ajuda da avó, pôde superar. Nunca a vi parada sem trabalhar. Ela tem um coração muito mole, se preocupa com os outros. Sempre pegava Ana chorando porque tinha acontecido algo com alguém. Com tudo que ela viveu, vive, realmente ela é uma grande guerreira. Quando os netos nasceram, ela ajudava a filha a cuidar, sempre correndo atrás para melhor. Parabéns por exemplo de Mulher Guerreira... Hoje, é só alegria.

Você poderá apresentar aos participantes da formação esses diferentes relatos e discutir como cada pessoa se expressa de forma diferente e possui um modo bem singular de se relacionar com a escrita.

Outro importante ponto a ser discutido sobre a escrita das histórias de vida diz respeito ao sigilo. O escutador deverá estar atento para apresentar na sua escrita apenas as histórias que engrossam o fio da memória coletiva. Isso quer dizer que histórias sigilosas ou segredos que foram relatados nos depoimentos não devem ser registrados, pois não interessam à identidade coletiva.

Algumas histórias são contadas porque o interlocutor está num momento difícil e compartilha algo para desabafar, ao sentir confiança na escuta. Assim, o escutador deverá acolher esse tipo de relato, mas não irá selecioná-lo para registrar: algumas histórias serão divulgadas e outras não.

58 O narrador está presente do lado do ouvinte. (...) Seu talento de narrar lhe vem da experiência; sua lição, ele extraiu da própria dor; sua dignidade é a de contá-la até o fim, sem medo.
(Ecléa Bosi)

O escutador deve ter muita delicadeza e zelo com as histórias ouvidas, estando atento para não expor indevidamente quem narra. A ética da relação passa pelo cuidado com que o interlocutor é tratado. Preservá-lo de exposições desnecessárias reforça ainda mais o sentimento de confiança mútua que os une.58

O interesse do escutador será o de relatar o que as pessoas têm orgulho de falar, histórias públicas e compartilháveis, pois o objetivo de seu trabalho é o de reunir histórias comuns que dão vida e referência a um grupo de pessoas e sua cultura. Sobre a questão do sigilo e da ética na divulgação das histórias, as escutadoras se posicionaram da seguinte maneira:

Solange (NIMESC): Mas, nem tudo pode ser colocado no papel, por quê?

Maria Guilhermina (escutadora): Porque tem certas coisas que talvez ela vai contar ali pra mim, intimidade dela, então, eu não vou escrever. Eu não vou fazer um relatório achando que aquilo pra mim... Tá, ela contou pra mim, eu não posso botar no papel, então eu não vou escrever...

Ana (escutadora): Você acaba de entrevistar a pessoa e a pessoa não quer que... “– Eu falei só pra você, isso, isso, isso...”. Ela contou pra mim, ela não quer que eu passe adiante. É um tipo um segredo que eu vou guardar pra ela. Eu vou falar aquilo que ela me autorizou a falar.

Durante a escrita, é também importante que o escutador seja bastante fiel às histórias escutadas e ao modo como foram narradas. Isso traz um novo desafio àqueles que ouviram as memórias de pessoas conhecidas. Ao selecionar as histórias, o escutador deve ter atenção para escrever apenas aquelas que realmente foram narradas no bate-papo e não fatos que, apesar de fazerem parte da vida do interlocutor, não foram levantados durante a conversa. O compromisso do escutador é o de respeitar a narrativa de seu interlocutor e registrar com fidelidade o que foi dito.59

Outra forma de transformar as palavras faladas em relatos escritos é por meio da transcrição da gravação de voz. O escutador ouvirá a gravação e irá escrevendo literalmente cada palavra do narrador. A transcrição talvez seja uma tarefa um pouco mais trabalhosa para alguns, mas tem a vantagem de trazer as expressões e palavras tal como foram ditas pelo interlocutor.

3.5.3 Divulgação das histórias de vida

Depois de transcrita toda a história, há ainda outro trabalho a ser feito: o de selecionar as partes mais importantes para serem divulgadas. Essa seleção deve respeitar os mesmos critérios éticos, não expondo o interlocutor indevidamente e apresentando apenas informações que não sejam sigilosas.

Depois que as histórias estiverem escritas e/ou transcritas, o próximo passo será o de transformá-las em produtos ou exposições que apresentem as memórias daqueles que compartilharam sua história. Muitos são os caminhos para fazer as histórias de vida circularem! O escutador e sua equipe podem dar asas à criatividade, pensando qual o público buscam atingir e qual seria a melhor ferramenta para veicular as histórias. Aqui vamos apresentar algumas ideias que podem estimular a imaginação dos futuros escutadores.

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