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Entrevista com Myrtes Macedo e Sebastiana de Brito



Em Transferência de Renda - Nova face de proteção social?, as autoras Myrtes de Aguiar Macedo, doutora em Política Social e pesquisadora do CNPq, e Sebastiana Rodrigues de Brito, doutora em Sociologia Rural e pesquisadora do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, analisam, a partir de uma pesquisa de campo realizada em quatro municípios do norte fluminense, os significados de experiências municipais de programas de transferência de renda associadas à educação enquanto estratégias articuladas pelo poder público no combate ao trabalho infantil.

A base empírica dessa pesquisa foi construída pela implantação do Programa Bolsa-Escola (PBE) e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) nos municípios Conceição de Macabu, Quissamã, São Fidélis e São João da Barra. Os tipos de transferência de renda representados pelos programas citados, além de sua significação regressiva no sentido da afirmação de direitos, permitem-nos inferir que os mesmos reafirmem o caráter compensatório, eventual e fragmentário das ações assistenciais, tradicionalmente desenvolvidas pelo Estado brasileiro.

» Editora PUC-Rio: Como surgiu o interesse em analisar mais de perto o andamento desses programas de transferência de renda?

Myrtes Macedo: Cada uma de nós vinha estudando a questão da renda mínima e dos programas de transferência existentes. No universo da pesquisa elegemos dois programas que consideramos representativos dessa modalidade. Sebastiana havia feito pesquisas nas quais abordava a organização do PETI e, quanto a mim, havia orientado um trabalho de dissertação sobre o PBE, programa que teve grande repercussão no governo Fernando Henrique por conta dos resultados positivos notados em regiões como o Distrito Federal e os municípios de Campinas e Ribeirão Preto.

Sebastiana de Brito: A escolha estava vinculada a uma tradição de pesquisa de nós duas nessa área de pesquisa social e rural. Quando terminamos nossos primeiros projetos, vimos que o PETI e o PBE haviam sido implantados, simultaneamente, nos municípios de Conceição de Macabu, Quissamã, São Fidélis e São João da Barra, o que foi determinante na delimitação desta área para a pesquisa.

» Editora PUC-Rio: Recentemente, o candidato à prefeitura de São Paulo, José Serra, criticou o Bolsa-Família dizendo que o programa teria dado um fim ao PBE por não controlar a frequência escolar. Em geral, quais foram as debilidades e distorções encontradas por vocês nos programas? Há, de fato, uma inclusão educacional?

Myrtes Macedo: A proposta dos dois programas é manter as crianças na escola. Observamos que, em relação ao Bolsa-Escola, diminuiu a evasão escolar. O problema é a qualidade do ensino. Tentar diminuir a pobreza a partir da inclusão educacional é bastante questionável, pois a qualidade do ensino continua ruim. Em relação ao Bolsa-Família, a diferença é que o Bolsa-Escola vinha diretamente do MEC para a secretaria de educação, que se articulava com as escolas. As unidades de ensino faziam parte da estrutura do programa. Com o Bolsa-Família, isso se perde. Cristovam Buarque diz, numa matéria publicada no Jornal do Brasil, que o problema do Bolsa-Família é um problema de conceito, porque deixa de lado a frequência escolar e se torna um programa assistencialista. Concordo com ele.

Sebastiana de Brito: Em relação ao PETI, o programa foi criado com o objetivo de tirar as crianças do trabalho e colocá-las na escola. Uma de suas características é a jornada ampliada, que consiste em manter a criança em um espaço onde ela pudesse fazer os trabalhos escolares e praticar atividades recreativas, para que, assim, fique longe de casa e não volte a trabalhar. No entanto, há debilidades. Por exemplo, são contratados funcionários sem formação específica para monitorar a jornada da criança; as atividades são insuficientes e, às vezes, inadequadas. A situação é muito complexa e precária. Outro problema é a questão da continuidade. O PETI é um programa datado. Depois dos 15 anos, a criança é obrigada a deixar o programa, e, na maioria dos municípios, não há como garantir a continuidade de sua educação escolar. Essa inclusão educacional é parcial.

» Editora PUC-Rio: Uma das saídas do governo para evitar o desperdício de verbas em época de arrocho fiscal é destinar o dinheiro dos programas aos grupos sociais que mais necessitam. Ainda assim, apesar da tentativa de focalização, tais projetos não iriam na contramão do que hoje é considerado por muitos como um princípio para o crescimento econômico: diminuir o tamanho do Estado?

Myrtes Macedo: Essa discussão sobre a diminuição do tamanho do Estado é bastante polêmica. A questão da política focalizada agrega uma estratégia mais ampla em relação ao combate à pobreza e segue as diretrizes de organizações internacionais como o Banco Mundial e outras. Por outro lado, a focalização vai contra o modelo de proteção social delineado na constituição, que seria mais universalista e amplo.

» Editora PUC-Rio: Alguns políticos e jornalistas afirmam que programas como o PBE e o PETI acabariam por estimular a natalidade em regiões onde o analfabetismo e a pobreza são maiores. Essa crítica possui fundamento?

Sebastiana de Brito: Acho difícil. Os recursos são tão precários que não há esse intuito. Creio que 15 ou mesmo 25 reais por criança não estimulariam ninguém a ter outros filhos.

Myrtes Macedo: Na percepção dos beneficiários, por se tratar de um auxílio temporário, eles não têm certeza do tempo em que passarão recebendo a bolsa. Além disso, quem recebe o auxílio considera a bolsa nada mais que uma ajudazinha, um dinheirinho extra, o que reflete o fato de a ajuda ser insuficiente.

» Editora PUC-Rio: Quais foram as inovações que os programas de transferência de renda analisados por vocês trouxeram à trajetória das políticas de assistência social no Brasil?

Myrtes Macedo: Essas inovações surgiram em um primeiro momento. A transferência de renda tem experiências na Europa, e, aparentemente, avança em relação às políticas de assistência no Brasil, que eram mais voltadas para as doações. Na segunda metade da década de 90, introduziram-se esses programas de bolsa, que inovam focalizando a família com uma proposta de inclusão educacional. Com o sucesso dos programas em cidades como Campinas, Ribeirão Preto e no Distrito Federal, o governo buscou estender o projeto para o resto do Brasil. O problema está na falta de infraestrutura na maioria dos municípios do país e na forma com a qual o governo federal vinha gerenciando esses programas. O governo federal não dá conta, sozinho, de cadastrar as famílias, fiscalizar a frequência e o destino dos benefícios, o que se traduz em um problema de gestão dos mais sérios do Bolsa-Escola; e do Bolsa-Família inclusive.

» Editora PUC-Rio: Ao que parece, a falha nesses programas acaba por distorcer suas próprias finalidades...

Myrtes Macedo: São programas fragmentados, que não integram um conjunto de políticas sociais estruturantes que poderiam ter um impacto positivo na mudança ções de vida das famílias.

Sebastiana de Brito: E ficam dependendo muito do partido político que está no poder no município. Os cargos de gestores são cargos de confiança, resultantes de nomeações. É muito complicado pelo fato de não haver algo que ultrapasse o limite da política local.

Myrtes Macedo: Uma das questões que vem sendo colocada é o desafio em estabelecer condições para que seja criada uma descentralização pactuada. Essa descentralização passaria pela integração dos programas estaduais, municipais e federais relativos à transferência de renda. Às vezes os municípios e estados têm programas próprios, como o cheque cidadão. No Rio de Janeiro é difícil fazer uma descentralização pactuada em um cenário político de grandes disputas partidárias em nível local.

» Editora PUC-Rio: Por fim, quais são os seus próximos projetos?

Myrtes Macedo: Estou iniciando um projeto sobre a questão da gestão dos programas sociais. Nesse momento, meu interesse maior é trabalhar na área metropolitana, e ver o andamento e a evolução de programas, como o Bolsa-Família e, também, programas de geração de trabalho e renda, como o Programa Nacional de Qualificação. Nesse contexto pretendo analisar as novas formas de expressão da política ência.

Sebastiana de Brito: A princípio estou apenas na orientação de teses de doutorado, mas pretendo elaborar um outro estudo sobre a questão do trabalho na área rural, a partir de uma pesquisa que fiz anteriormente, onde foram analisados o resultado do processo de modernização da agricultura e suas consequências na geração de emprego na área rural. Quero ver o que está acontecendo atualmente. Hoje, há uma preocupação em reter a população no campo, pois as cidades estão saturadas. Diante dessa nova característica, quero ver quais são as novas formas de trabalho e emprego que estão sendo ali geradas.

 


Publicado em: 01/09/2015





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