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Depois do contato dos participantes com a discussão sobre memória, é fundamental que possam se indagar: por que o trabalho com a memória é importante? Quando perguntada, uma de nossas entrevistadas falou o seguinte:
16 Podemos portando dizer que a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si... a construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros. Vale dizer que memória e identidade podem perfeitamente ser negociadas, e não são fenômenos que devam ser compreendidos como essências de uma pessoa ou de um grupo.
(Michael Pollak)
Maria Helena: Que eu creio que também tiveram moradores que tiveram suas fases difíceis, né? Dar a oportunidade dessas pessoas falarem, deixar elas em liberdade. Deixar o espaço em aberto, que elas possam falar. Porque, assim como eu tive esses momentos, outros também tiveram, alegres ou tristes, mas tiveram esses momentos, e merecem ser, ter esse reconhecimento, ter esse relatório, que isso é história e história é uma coisa que passa e se apaga... que, futuramente, será uma coisa muito grandiosa para os que estão nascendo agora, porque não têm história, né?
Fabiana (escutadora): Ter história é tudo.
Maria Helena: Pois é, sem história não é nada! Sem história não é nada!
Consideramos que o que nos ajuda a dar sentido para o que vivemos hoje são nossas lembranças. As experiências passadas nos dão referências para enfrentarmos as futuras vivências, para afirmarmos quem somos, para valorizarmos nossas raízes e reforçarmos nossos laços de pertencimento com territórios, pessoas e culturas. Podemos dizer que memória se relaciona com o sentimento de identidade.
A identidade é a imagem de uma pessoa ou de um grupo, construída e apresentada para si e para os outros. É o que nos dá referência sobre nós mesmos e o que nos diferencia de todos. A memória é uma parte importante da identidade de um povo, pois as histórias vividas e compartilhadas coletivamente criam um sentimento de pertencimento.16
17 Meu Gurufim
Compositor: Lino Roberto, Dominguinho, Bafo Da Onça
Eu vou fingir que morri
Pra ver quem vai chorar por mim
E quem vai ficar gargalhando
no meu gurufim
Quem vai beber minha cachaça
E tomar do meu café
E quem vai ficar paquerando
a minha mulher
Quando o caixão chegar
Eu me levanto da mesa
E vou logo apagar
As quarto velas acesas
E vou dizer pra minha mãe
Não chora
Amigo a gente vê é nessa hora
Marta (escutadora): Algum fato engraçado que você lembre?
Natalina: (ri) Têm muitos, têm vários (ri mais). Têm vários. Eu me lembro, foi, antigamente, quando morria-se as pessoas do morro, fazia-se os gurufins, era velar, fazer o velório. Então, o que era servido nesses gurufins, que era servido, era café. Eles davam café e cachaça às pessoas. Então, as pessoas ficavam ali fazendo aquelas brincadeiras a noite inteira. Aí, perto, tinha eu e umas colegas minhas, eu já tava bem grandinha já, eu tava com uns treze ou quatorze... Aí, tinha um cara dormindo, ele chama-se Devanil. Aí, ele bebeu cachaça. Chega tava dormindo de boca aberta. Aí, nós combinamos de botar um mosquitinho nele. Aí, fizemos um mosquitinho, botamos mosquitinho nele, aqui na testa. E botamos um tamanco na mão dele. Quando o coisa acabou de queimar, ele pegou e paf (gargalha)! Ele deu uma tamancada na testa. Então, isso: até hoje, de vez em quando, eu me lembro do que eu fazia, que eu era muito levada, eu era muito levada, fazia muita arte, quando eu era pequena.17
De acordo com dona Natalina, o modo como sua comunidade lidava com a morte era bastante particular. Os gurufins eram velórios que possuíam um caráter festivo. Eventos sociais onde, apesar da dor, as pessoas podiam se reencontrar e beber lembrando-se daqueles que se foram. Esse ritual faz parte das memórias de dona Natalina e de sua comunidade. Os gurufins são parte da memória e da identidade deste local.
Atividade: Laços entre memória e identidade
Objetivos: Observar, nos relatos de memória, quais os pontos que dizem respeito à identidade local de um grupo de pessoas; estreitar os laços de proximidade entre os participantes e sua comunidade.
Material: Papel e caneta.
Desenvolvimento:
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